terça-feira, 18 de setembro de 2007

Filosofia parte II

Ora, parece que mais uma vez tudo se esvaiu.
À primeira vista, Sofia era um tango - arrancava desejo e suspiros doce e sutilmente. Acontece que, à segunda vista, era apenas uma melodia de sala de aula, quadrada como ela só, e os vestígios de dor remanesceram justamente porque são quadradas: os quatro ângulos retos as tornam dolorosamente necessárias.
Parece que sua participação terminou aí.
Sofia veio como um presente. Cedeu um pouco de luz. Enxergada. Então, foi-se embora quando já não havia mais reação ou face para irradiar.
E os vestígios de dor remanesceram justamente porque essa ida deu-se bem na hora em que a bailarina estava por um triz de se doar como nunca. Ficaram mais de dez folhas manuscritas de pura entrega do lado de lá, e respira aliviada por não ter ficado raiva, não.
Um presente. Ela havia guiado a bailarina num momento decisivo; estado de sítio do lado de dentro. "Seria regredir e achar que aquilo era vida ou seria apoderar-me da quietude e do compasso do tempo para espalhar ao mundo?" ...É, Sofia, ela escolheu viver e muito obrigada. Agora acaricia os manuscritos e aceita... Você nunca imaginaria (e muito obrigada).
É que te ama. Poderia usar daqueles conceitos teus para amenizar, porém não! Ama do seu jeito. Sem demandar tempo. E você existe no planeta Terra exatamente na mesma hora que ela até um dos dois morrer, e não fazer algo dessa simultaneidade seria calar a boca e ah, minha querida, o que move aquela existência é o tanto que tem a dizer... acreditaria se dissesse que é maior que a gratidão?
Linhas do teu rosto em todo lugar, e que você agora seja a música de alguém mais são e que a alegria seja real. O que alimenta aquela existência é a necessidade de crença num segundo de paz sem as sapatilhas: se os pés não puderem ficar descalços jamais, como a bailarina vai envelhecer um dia? Que seja real porque a paz É tua alegria.
Ela ama. Entendeu enfim que amar não é depositar os medos e as esperanças no outro em troca de leveza, é apenas fundir duas porções de solidão naturalmente, com disposição para suportar os extremos que trazem consigo de forma inevitável, tendo consciência de si para dali haver beleza em maioria.
Na última página que segura nas mãos, "Este capítulo é pra dizer que sinto que nos separaremos. Você irá embora do quarto e eu vou rodopiar n'outro corredor. É o que subentendi da nossa última conversa, é a razão do pedido de desculpas. Sinto muito se causei caos na tua liberdade... o caos sou eu, não adianta, mas a simples chance de comprometer tua liberdade me faria muito pior. Preciso daqueles que têm algo pra acreditar profundamente para continuar. Sei lá quando ou se voltarei a escrever isto. Eu gostaria muito"...
... Só não quer atrapalhar.

terça-feira, 11 de setembro de 2007

Breu

Na madrugada de sexta para sábado, coloquei as sapatilhas na mala. Eu não dançaria, mas senti que precisava. Foi um ato quase mecânico, movimento involuntário. Um treinamento para o dia em que precisarei mesmo delas perdidas no monte de roupas bagunçado... ele se aproxima e me arranca lágrimas toda tarde.
Assim que me prometi que não abriria mão deste estilo de vida só por estar no último ano de escola, pude mergulhar e segurar em arte e alma como nunca. Vieram epifanias desenfreadamente e uma vontade vísivel de contá-las - com as palavras, com o corpo, fotografando gente desconhecida naquela tarde de sábado (o fato de estarem ali os imprimia também em mim e dizia que ouviriam, sim. E desde então me apaixonei pelos velhinhos com cara e cheiro de vó).
Levei as sapatilhas e não as folhas em branco. Cansei de, ultimamente, me referir à própria vida como se fosse um narrador onisciente e sem o que fazer d'um conto de Machado. Temi que fosse fazê-lo novamente. Não as levei, embora não estivesse diminuída a vontade de contar confessando que havia fragmentos meus em cada rua onde pensei que o vi. Talvez eu tenha contado, porém quieta, e talvez tenha sido o silêncio da confissão quem me disse ontem que estou absurdamente só, de uma maneira indolor e benévola, necessária, escolhida: o silêncio ainda basta no auge de vários e vários sentimentos, todos sabem. Foi um grande vazio.
Quase 21h e 30 min a hora que saí do Grande Teatro. Uma coisa foi, há três ou quatro anos, chegar ali pela primeira vez e conhecer o Grupo Corpo e não ter o que dizer. Outra foi voltar, ano após ano, enquanto ou lia ou conversava com ou sobre aqueles bailarinos, até chegar 2007 e eu saber o nome de cada um e pedaços de histórias de vida. Outra coisa por ser mais iluminado, na certeza de que para aquilo, o Corpo em questão não é o estético, é o conjunto. E sem um quê de loucura (e vontade de contar) nada acontece e ele não é corpo, apenas órgãos maravilhosamente organizados sem função divina. Iluminei-me eu.
Depois achei que fosse morrer. Não, não é uma hipérbole.... sempre que volto de algum lugar inundada de certeza, acho que vou morrer ali mesmo pro mundo seguir sem saber de nada. Sei lá se foi deus ou só razão modificada para o belo, sei que me inclinei para tal por um momento: não morreria como platéia, nem com os pedaços espalhados nas ruas. Eu chegaria em casa, veria as fotos em tamanho maior e recordaria minha solidão. Então, viveria mais que ontem pelas avós, pelos desconhecidos, pelos traços de inocência em tudo quanto vi, pela reciprocidade inesperada na contemplação de sei-lá-o-que, dada a mim por aquele venezuelano da praça. À flor da pele pelo aplauso, viveria tentando ser Inteiro e continuar inteira.
No tamanho, na plenitude: foi um grande vazio.