quinta-feira, 15 de novembro de 2007

Simulacro de uma solidão inocente

20 de outubro

Te deixei com me... nosso "Água Viva" e não consegui dormir pensando em como essa mulher nos uniu de um jeito que tudo em ti me afeta, não se separa de mim ...
e somos um só.
Não morri, você vê? Todas aquelas vezes eu não morri, porque em alguma parte da cidade estava você vivendo o mesmo início de morte, e a gente tinha que sobreviver pra um dia se olhar e dizer que o fizemos juntos e temos um ao outro exatamente, exatamente da mesma maneira, sempre que o coração ameaçar ir parando de bater aos poucos até cessar. Sempre que alma estiver a um passo de se esfarelar.
Te abracei. E era um tambor dentro de mim e toda nossa vida na garganta - pela segunda ou terceira vez na existência, pertenci.
Foi bonito porque até aí tivemos um ao outro pra sempre.

3 de novembro
Cansei daquele caminho velho. Epifania.
Quis ver "A Fraternidade é Vermelha" e a locadora é justamente no outro caminho. Epifania.
Ao entrar nela enfim, vi alguém saindo, era você e eu ajoelhei por dentro. Abracei de tão feliz as que estavam contigo, mesmo só reconhecendo uma delas. Abracei você de tão tudojunto, da maneira que só a gente sabe.

13 de novembro

Foi o dia que Nãna passou no vestibular. Bateram no interfone, era o moço do correio. Maior sorriso do mundo, por ter nas mãos teu presente de aniversário que havia chegado, justo enquanto nos falávamos através de dedos e eu ganhava um ''te amo'' que, de verdade, não esperava. Achei o cartão bonito, embora ainda não o tenha escrito. Espero que nele consiga me doar de alguma forma que ainda não saiba, pra soar tão maravilhoso como te... nosso ''te amo'' e tão revolucionário quanto todos os deuses do mundo se manifestando juntos toda vez que a gente se encontra.
Precisei passar em frente à locadora, a mesma de dez dias atrás. Na banca de jornais da outra rua, uma capa de revista de Literatura com a foto de nossa Clarice e eu com o mesmo sentimento daqueles abraços.
Leve, fui embora, passei pela praça e subi e subi a rua. Ventou. Lembrei-me de como aos catorze anos eu ia dançar e o vento batendo em mim pelo caminho era um alívio e eu flutuaria a qualquer minuto. E flutuei de verdade.
(A lembrança dos dez dias era tão viva, que o sentimento era tão puro, que eu não era mais humana e qualquer brisazinha à toa também teria me erguido demais, e também teria sido alívio.)

14 de novembro

Cheguei às duas da tarde pra marcar palco e não tinha ninguém.
Sentei nas escadas com minha mãe, fechei os olhos escondendo o sorriso e em silêncio agradeci a deus por minha mãe ser ELA: se fosse outra, é possível que eu estivesse ali reclamando do calor e da boca seca. Mas não é outra, não, é ELA. Por isso eu estava era olhando pra cima, atraída pelo barulho dos periquitos verdes na árvore, notando que eram i-d-ê-n-t-i-c-o-s aos que moravam aqui quando tinha 8 anos de idade... aqueles que gostavam de comer macarrão cru!
Olhando e olhando, até notar que ali perto da árvore fazia sombra.

15 de novembro

Descobri que quando a gente dorme cedinho, perde o sono de madrugada e se levanta quando ainda tá quase escuro, as nuvens do céu ficam cor-de-rosa... prá compensar!
Lembrei uns dias em que queria ser astrônoma, quando li que Vênus, no céu, é a primeira estrelinha brilhante que aparece ao escurecer e ao amanhecer. Depois, vi milhares de pássaros voando, os dois gatos da vizinha em cima do muro e os primeiros raiozinhos de sol entre as folhas. Recordei o dia em que me disseram ser Vênus a deusa do amor e da beleza, aí sim entendi o porquê daquela estrelinha estar no céu àquela hora todos os dias e sorri: não sou a única que gosta de ficar perto de nuvens de algodão doce colorido!