terça-feira, 11 de setembro de 2007

Breu

Na madrugada de sexta para sábado, coloquei as sapatilhas na mala. Eu não dançaria, mas senti que precisava. Foi um ato quase mecânico, movimento involuntário. Um treinamento para o dia em que precisarei mesmo delas perdidas no monte de roupas bagunçado... ele se aproxima e me arranca lágrimas toda tarde.
Assim que me prometi que não abriria mão deste estilo de vida só por estar no último ano de escola, pude mergulhar e segurar em arte e alma como nunca. Vieram epifanias desenfreadamente e uma vontade vísivel de contá-las - com as palavras, com o corpo, fotografando gente desconhecida naquela tarde de sábado (o fato de estarem ali os imprimia também em mim e dizia que ouviriam, sim. E desde então me apaixonei pelos velhinhos com cara e cheiro de vó).
Levei as sapatilhas e não as folhas em branco. Cansei de, ultimamente, me referir à própria vida como se fosse um narrador onisciente e sem o que fazer d'um conto de Machado. Temi que fosse fazê-lo novamente. Não as levei, embora não estivesse diminuída a vontade de contar confessando que havia fragmentos meus em cada rua onde pensei que o vi. Talvez eu tenha contado, porém quieta, e talvez tenha sido o silêncio da confissão quem me disse ontem que estou absurdamente só, de uma maneira indolor e benévola, necessária, escolhida: o silêncio ainda basta no auge de vários e vários sentimentos, todos sabem. Foi um grande vazio.
Quase 21h e 30 min a hora que saí do Grande Teatro. Uma coisa foi, há três ou quatro anos, chegar ali pela primeira vez e conhecer o Grupo Corpo e não ter o que dizer. Outra foi voltar, ano após ano, enquanto ou lia ou conversava com ou sobre aqueles bailarinos, até chegar 2007 e eu saber o nome de cada um e pedaços de histórias de vida. Outra coisa por ser mais iluminado, na certeza de que para aquilo, o Corpo em questão não é o estético, é o conjunto. E sem um quê de loucura (e vontade de contar) nada acontece e ele não é corpo, apenas órgãos maravilhosamente organizados sem função divina. Iluminei-me eu.
Depois achei que fosse morrer. Não, não é uma hipérbole.... sempre que volto de algum lugar inundada de certeza, acho que vou morrer ali mesmo pro mundo seguir sem saber de nada. Sei lá se foi deus ou só razão modificada para o belo, sei que me inclinei para tal por um momento: não morreria como platéia, nem com os pedaços espalhados nas ruas. Eu chegaria em casa, veria as fotos em tamanho maior e recordaria minha solidão. Então, viveria mais que ontem pelas avós, pelos desconhecidos, pelos traços de inocência em tudo quanto vi, pela reciprocidade inesperada na contemplação de sei-lá-o-que, dada a mim por aquele venezuelano da praça. À flor da pele pelo aplauso, viveria tentando ser Inteiro e continuar inteira.
No tamanho, na plenitude: foi um grande vazio.

Um comentário:

Anônimo disse...

Só seria vazio se não fosse esse quê de sentimento que há - todo e tanto - em ti.
Só não precisaria de sapatilhas se... Se não tivesses os pés de anjo querendo voar.

Seria breu se a tua luz não iluminasse até aqueles que não sabem dançar. E eu, toda em infinitivo, AR-AR-AR, repito teus passos exemplo feito eco, que é pra nunca mais parar de rodopiar...