sábado, 28 de novembro de 2009

Então que sempre haja dança

É a única coisa que eu pediria.
Porque é sábado de manhã e você acorda em melancolia, mas feliz: é a preparação mais importante para o dia pelo qual espera há muito. Porque você planeja suas horas em torno daquilo, porque chegará mais tarde no aniversário do seu pai por causa daquilo.
E você que quase nunca está na hora certa, finalmente está. Toma banho, passa o rímel e batom vermelho que pediram. Mas começa a chover incessantemente enquanto você é só uma pessoa esperando um ônibus enquanto quer muito sapatear.
Então que sempre haja dança, porque passa um ônibus que te encharca.
Passam dois, passam três, quatro e cinco, porque passam carros de todos lados e alguns ônibus e alguns carros passam propositadamente onde há mais enxurrada porque pessoas cobertas em água suja são fonte de felicidade para motoristas. Do lado de fora, você os sente vibrando alegres nas suas cabinezinhas de onde se vingam de pessoas simples e de você, tudo por estarem trabalhando numa tarde de sábado, tudo por cansaço.
Que haja dança pois você está cercada de favelados que cantam músicas medíocres e devem ter sofrido tanto na vida, que aquilo tudo é piada para eles, e eles riem. Que haja dança porque você é só uma burguesinha que pode dançar ballet e estudar línguas mortas por prazer e por isso não pára de chorar de raiva, indignada por te tratarem daquela forma por nada. Que haja dança porque se não houvesse você cumpriria a própria vontade, a de voltar pra casa chorando que nem criança e ligaria para quem está escolhendo não te amar do mesmo jeito nesse momento por problemas que não existem. Que haja, porque você se promete que não vai voltar ou ligar e você chega atrasado e molhado em água com vermes mas você dança assim mesmo e por instantes tudo fica bem. Que as mesmas mãos que dirigem volantes que controlam pneus que passam por cima de poças que atacam civis servem, por vezes, para se tocarem e produzirem palmas que se espalham que emocionam bailarinos que sapateiam em glória. Glória.
Que haja sempre dança, porque depois do palco você será só uma menina esquisita esperando outro ônibus para enfim ver o pai, em all star molhado e cabelo fedido com uma roupa de espanhola (as próprias ainda estáo encharcadas de água com bichinhos) comendo uma barra de chocolate daquela maior como se fosse a última fonte de serotonina do mundo.
Então que sempre haja dança: encontrar na imanência uma rendenção pela qual te aplaudem é ser de todo absolvido em plena luz do dia.
E eu me rendo, eu me rendo, eu me rendo, eu me rendo.

3 comentários:

Anônimo disse...

Nunca na vida eu vou entender os porquês. Mas eu choro, choro em redenção plena porque tu tens tua dança, eu tenho meu palco e nós, ah... Nós temos uma à outra.

Todos os dias, em qualquer lugar, em qualquer tempo - de chuva, de sol no parque, em Curitiba ou em Minas Gerais.

Iasminne Fortes disse...

Querida, eu me rendo! Eu me rendo ao seu blog.
"Que as mesmas mãos que dirigem volantes que controlam pneus que passam por cima de poças que atacam civis servem, por vezes, para se tocarem e produzirem palmas que se espalham que emocionam bailarinos que sapateiam em glória."

coisa mais linda de ser ler. Amei!
=*

Lado A disse...

Uau!

Ainda estou tentando respirar... você é muito nova para tanto fôlego, mas não falo de tempo, e sim de profundidade.